Metade das mulheres em todo mundo é vítima de algum tipo de violência. A maioria delas é agredida dentro da sua própria casa, pelo marido ou companheiro. O drama é transversal à sociedade, não distinguindo casebres de palacetes. A única diferença reside nos métodos do agressor e no modo como nos níveis sócio – económicas mais elevados os gritos das vítimas não ecoam a céu aberto.
Catarina Campos, de 45 anos, disse ao Jornal de Angola que já foi agredida muitas vezes, não só no próprio lar, mas também por amigos do alheio que assaltam com frequência a sua zona de residência. Manifestando-se sem medo na marcha promovida pela Igreja Metodista Unida, que no passado sábado se realizou em Luanda, de apoio à Lei contra a violência doméstica, Catarina empunhava um cartaz que ela própria reproduzia alto e bom som, dizendo: “pena pesada para os agressores”.
“Este é um combate que tem de ser travado sem tréguas e sem limites, pelas medidas legislativas, criminais, repressivas e preventivas”, afirmou.
Catarina convidou os casais e a sociedade em geral a dialogarem, sempre que se depararem com uma situação de conflito e considerou que a “mulher angolana, e não só, está de parabéns porque vai ser aprovada a lei na especialidade contra a violência doméstica”.
Angelina Miguel é mãe de cinco filhos e protag9nista de uma história de 33 anos de sofrimento e violência. Conheceu aquele que viria a ser seu marido ainda em criança. Sabia da sua apetência pela bebida e do seu hábito de ser mal-educado com as pessoas. Foi avisada de que não deveria casar-se com aquele homem. No entanto, resolveu não dar ouvidos e aventurou-se naquele casamento.
O seu sogro já tinha o hábito de bater na sua sogra. Contudo, era esta que mais influenciava o filho, marido de Angelina Miguel, a bater-lhe.
A primeira vez foi com um cinto. Ficou com hematomas por todo o corpo e diversos cortes nas costas. A partir daí, foram várias as vezes que a violentou, chegando a expulsá-la de casa com as crianças, a meio da noite, sentindo-se obrigada a voltar para casa dos seu pais. Angelina Miguel define o seu marido como um1J.Omem autoritário e chantagista. Pedia-lhe que voltasse para casa com a promessa de que não voltaria a bater-lhe. E como o amor fala mais alto, ela acedia ao pedido com a esperança de mudanças no marido.
No entanto, a história repetia-se uma e outra vez. Bateu-lhe, maioritariamente, com o cinto, mas também a agredia com pontapés e murros. Todas essas agressões eram acompanhadas de graves e perturbadores insultos.
O marido tinha ciúmes dos patrões da Angelina Miguel e não queria que ela trabalhasse. Para a impedir, inventava histórias de traições e difamava-a em toda a vizinhança, maltratava-a física e psicologicamente, sempre com a convicção de que ela não teria coragem de o denunciar.
Um belo dia, Angelina Miguel jurou que seria a última vez que ia permitir os maus-tratos do seu cônjuge, depois de o marido lhe ter batido por ela se recusar a ter relações sexuais e por não o ter acompanhado a um baptizado. Ele partiu-lhe o nariz, fez-lhe um corte nas costas e arrancou-lhe a camisola, obrigando-a a fugir para a rua apenas em soutien, mas nunca mais voltou a tocar-lhe.
Questionada quanto ao motivo por que aguentou tanto tempo esta situação, Angelina explica simplesmente que “toda a mãe aguenta qualquer sofrimento só para não ver os seus filhos sofrer. Por amor aos filhos”.
“É muito difícil para nós, mulheres, arranjar forças para denunciar o homem que, um dia, com a promessa de amor eterno, nos retirou de casa dos nossos pais e constituiu família”, acrescenta.
Causas da agressão
Hoje, no entanto, vê as coisas de outro modo. Porque agora entende que ninguém merece uma vida de violência, de maus-tratos e de infelicidade. Os filhos não devem ser o motivo da resignação, mas sim factor de motivação para a imediata denúncia. .
As principais causas da violência são o desrespeito, a impotência e a raiva, causados por fracassos e frustrações. Segundo a pastora meto dista Engrácia Pascoal, o outro problema é a violência familiar e as bebidas alcoólicas, que estão presentes em todos os casos. Para ela, a violência pode ser interpretada como uma tentativa de corrigir o que o diálogo não foi
. capaz de resolver e funciona como ultimo recurso para se tentar restabelecer o que é justo, segundo a óptica do agressor.
Portanto, “sempre que há violência é porque alguma coisa já estava errada. E essa coisa errada a real causa e aquilo que precisa ser corrigido, para diminuirmos os tipos de violência”, explica.
Para a pastora, a boa educação faz-se com correctos deveres e não com direitos insensatos. “É preciso educar os nossos adolescentes com mais realismo e seriedade para os manter longe de problemas, fracassos, marginalidade e violência” ..
“O mau uso da palavra amar pela nossa sociedade insiste em relacioná-la, frequentemente, ao namoro e ao sexo, acabando por nos confundir. No entanto, mesmo antes da era cristã, amar era um casal relacionar-se com total igualdade de consideração, sem superioridade ou inferioridade e com tolerância pelas normais falhas e diferenças dos seres humanos,” concluiu Engrácia Pascoal.