Quando anunciaram o encerramento do Roque Santeiro, a malta do Rangel pensou logo na sua reconversão, com arruamentos lancilados, água potável e electricidade, parques de estacionamento subterrâneos, bancadas de pedra de calcário e candeeiros de iluminação nocturna para o povo comprar também as noites, zona verde e balneários modernos. O Tipirico, um dos mais inteligentes do bairro, a pensar até nos elevadores, tapetes rolantes no Roque e armazéns de categoria com câmaras frigoríficas de conservação de frescos, WCs com azulejo, parques de estacionamento, tudo isto feito com bónus do petróleo em parceria entre as zungueiras e as verbas do GPL.
Só que lhes saiu!
As supostas «donas» do mercado, que inventaram o mercado, e até lhe deram o nome oficial, foram despachadas para além fronteiras! E eis então que surgiu um novo tipo de zungueiras de rua, as que não aceitaram o exílio do Panguila, nem do km 35 fora de Luanda, que vestem bem, vaidosas e mandam matacu de invejar, rosto de beleza africana genuína.
São o novo furor da cidade, mas na maioria são solteiras esfomeadas porque os maridos que eram xulos por causa dos lucros do Roque a explorarem as esposas sem vergonha, logo que se aperceberam que o mercado acabou, partiram para outra, deixando suas respectivas esposas soltas, milhares delas. Elas agora andam por aí, completamente solteiradas pela má sorte que a Xica dos Santos lhes deixou enviando-as para longe da população e sem acessos, muitas a procura de marido, feitas zungueira de novo tipo.
Ontem, eram 6 da tarde, num dia de pouco sol, Joaquinita zungueira teve um sonho realizado. O Kota Maneco, um fiscal diferente, escalado nesse dia, subiu para a carroçaria do Jeep e partiu para a missão de perseguição às zungueiras. E o Kota Maneco, quem lhe visse naquele dia, estava bonito, charmoso. A farda ficava-lhe bem; os óculos eram castanho-escuro e quase novos, portanto, ainda com o brilho de fábrica.
O Jeep dobrou a esquina do beco do Zé Burro, contornou o triângulo do Rangel e seguiu em frente até bem próximo do lugar da operação de caça e busca. Todos desceram em passo lento, em surdina, até que foram dar bem perto das zungueiras. Foram todas surpreendidas de trás. Completamente distraídas. Boa caçada! Murmurou o Kota Maneco. Boa caçada! É hoje o meu dia!
Fala-se em rendimentos extras, de que os fiscais beneficiam com operações como esta. A recolha é enorme e diversificada: pentes de plástico, maçãs, rolos de cabelo, mandiocas, caixas de alfinetes, roupa de fardo, lapiseiras da China, chinelos do Brasil etc. Tudo.
É extraordinário ver o volume de bens e produtos duma recolha dos nossos fiscais. Kota Maneco nem queria crer. Só ele, sozinho, recolheu da primeira zungueira caixas de alfinetes e vários enroladinhos de elástico branco vietnamita. O fogareiro com os pertences, ainda com brasas acesas sob o bombó, banana e toda a ginguba levou um pontapé. A mulher, de mais de 60 anos apenas deu mixoxo no Maneco, xingou em kimbundu e recolheu do chão apenas algumas notas de kwanzas que se espalharam. Foi atacar uma segunda (o número de mulheres caçadas depende muito da pulungunza do caçador e da agilidade nas curvas estonteantes que as zungueiras aplicam aos apanhadores, em plena corrida de meia distância) e o Kota desconsegiu Correu então para a terceira, e foi aí que tudo começou!
Quando o Kota Maneco entrou em corrida de fundo com a terceira zungueira, estava muito longe de saber que aquela era a Joaquinita que vendia no Roque, agora solteirona militante. Uma rapariga dos seus 40 anos, bonita, usa peruca brasileira de cabelos castanhos, de corpo invejável. Ela tem a pele clara e olhos de retina clara (esta membrana interna do globo ocular onde se formam as imagens que vemos e que raríssimas vezes se encontra nos olhos de uma negra em cor clara), e a Joaquinita no seu andar, mesmo com a grande sacola dos produtos da zunga, ao caminhar se lhe notam os seios mexendo e a gingar que chega. Não usa canudo eléctrico e faz as vendas com toques mágicos de convencer o cliente, exibindo os sacos de castanha de cajú e paracuca de ginguba. A sua cintura ainda tem as medidas de uma verdadeira miss Angola, de rabo empenado marcando a curvatura que enlouquece os homens, uns seios quase novinhos em folha e arrendodados até marcar a diferença, lábios perfeitos. Esta é uma das poucas zungueiras quarentonas que podia concorrer com muitas destas jovens feitas beldades e que aparecem na revista da caras a mandarem bocas exibicionistas.
Kota Maneco ainda não lhe havia descoberto a beleza quando iniciou a berrida atrás da moça que vestia uma roupa incomum, de saia ajustada e blusa bem decotada no peito, mas coberta de panos, via-se logo que não era zungueira tradicional.
Ela usa um fio de ouro e brincos de argolas de bom diâmetro. Não se parece a zungueira; parece-se a uma santa. E era ela, a que lhe calhou pelo caminho na perseguição: a Joaquinita!
A corrida que ele empreendeu antes, foi de trás para a frente; ou seja, ele atrás dela e ela correndo a frente. Só quando se cruzaram cara a cara, ele se apercebeu que diante de si estava exactamente a linda mulher. Aquela raparigona de saia no interior mas de panos amarrados, agora de respiração muito ofegante pela corrida extraordinária que empreendera para se livrar do fiscal, ela, quase sem fôlego, e ele, completamente rebentado pela berrida, encontraram-se por fim.
O fiscal zeloso agarrou-a nas mãos e fixou-lhe sem querer um olhar na profundeza dos seus olhos. Só que lhe saiu também! Viu não uma zungueira mas mamas! Mamas a mexer com fio de ouro rodando o lindo pescoço, mamas tilintando ainda pela respiração comprimida da corrida entre os soutiens vermelhos que se agarravam agora apenas por um fio.
Os cabelos da zungueira meio soltos, os seus dedos quentes e amáveis, e o fiscal agarrando-a com alguma força para dele não se soltar. Um dos panos da Joaquinita havia caído no percurso e um dos chinelos se havia soltado do pé. Estava meia nua, naquela condição com quase metade das vestes. A blusa da zungueira havia penetrado apenas dum lado do pano e via-se perfeitamente parte da sua transpirante e bonita barriguinha.
O Kota apertou ainda mais as mãos da Joaquinita, recolheu-a mais para próximo de si e falou-lhe baixinho qualquer coisa que ela não entendeu. Perante Deus, estavam ali uma zungueira e o Kota, feito fiscal, sortudo duma figa, num espaço cercado pelas aduelas dos quintais daquele beco, já a noite ameaçando chegar. Juro-vos que aconteceu. Sem nenhum transeunte por perto e de mãos agarradas. Só os dois: a Zungueiras e o fiscal. Já era um pouco tarde, o sol a pôr-se de longe e no beco onde a apanhou, não estava viva alma! Juro-vos que aconteceu!
Ainda as respirações estavam aceleradas, os corpos quentes e trémulos, agarrados. Ela então começou a suplicar. Abriu a pasta e tinha: 9 sacos de castanha de cajú, 5 sacos de paracuca, alguns pertences pessoais e rolos de cabelo. Era a mercadoria toda. Com lucros calculados em cerca de 600 Kz/dia. M
as não era a mercadoria agora que interessava mais ao Kota. Que zungueira é esta nos meus braços? Nem acreditou. O momento era de grande excitação e emoção. Ela com os seus haveres na sacola que agarrou sem largar, e o fiscal, sempre agarrado a ela com toda a força do mundo, aproximou mais o peito, o rosto e mais uma vez balbuciou carinhosas palavras, contrárias ao ritual, que consiste em amordaçar a vítima agredindo-a em caso de resistência, e até há fiscais que treinaram baçulas especiais para zungueiras, até lhes colocarem em posição de KO. O kota não lhe agiu. Pelo contrário, ficou estupefacto!
Contudo, ao reparar na atitude amável e simpática do fiscal, a mulher, desconfiada, lhe deu uma olhada daquelas! Ele vibrou, sorriu com olhar de malandro e a abraçou finalmente.
Olhou para os lados, ninguém! Encheu-se então de toda a coragem e aprontou-se a beijá-la. A zungueira, (solteirona é assim gente, como diria o brasileiro) correspondeu! Aprontou-se a concluir a retirada da outra alça da blusa descaída, e ela correspondeu. Apertou-lhe nos seios carinhosamente, e ela correspondeu. Voltou a beijá-la e ela sorriu de alegria.
Ela penetrou o olhar nele, no Kota Maneco, apenas alguns anos mais velho que ela, e ficou encantada com o charme do Kota: era atraente, um fiscal diferente, até o suficiente para lhe convencer a não abdicar da sua formosura masculina, e tinha os óculos escuros que sempre lhe encantaram. Estava cheiroso.
Ela apertou o cerco, passou a mão pela clavícula do soberbo homem e prendeu-o contra si, buscando-lhe o aconchego. E voltaram a beijar-se, mas desta vez sem o último pano, ela feita uma beleza, descoberta por instantes, até que ela se debruçou e recolheu o pano que lhe havia no quadril.
Completamente estupefacta com o perfil do fiscal, charmoso, cheiroso e afável, conquistador e meigo, quase cinquentão mas vigoroso e macho de verdade, era um fiscal que qualquer mulher sonha encontrar nas corridas que se dão por aí na cidade.
Nem sempre elas têm essa sorte. Fiscal é sinónimo de brutalidade e arrogância. Tem fama de ladrão e mau. Não usa perfume apesar se saber que lida com mulheres. Fiscal hoje disparata zungueira.
Bate com pau e até esmaga fruta com os pés. Dá surra até a mulher mostrar as cuecas ao público que a zomba depois. Fiscal corre e dá baçula sem piedade. E o Kota Maneco ali estava diferente. Encantador. Peça de homem para mulherada e solteironas. Joaquinita ficou com água na boca. É nisso que dá ficar solteirona.
Já não foi necessário entregar a sacola pendurada noutro braço, onde havia mercadoria da nzunga. O Kota Maneco estava nas núvens, deliciando com os olhos e as mãos a sua zungueira, totalmente apaixonado. Indireitou a camisa e soltou a zungueira, apertou os botões deixando-lhe seguir em paz com a as castanhas. Fora um momento histórico. Nunca tinha visto um fiscal a beijar uma zungueira!