Pedro Morais, de 63 anos, era um dos moradores do prédio da lagoa do Kinaxi, cuja construção, iniciada na década de 70, nunca foi concluída. Estava a preparar a viagem para o Zango, onde, desde ontem, vivem 122 famílias que saíram do edifício. Foram todos alojados em moradias com condições de habitabilidade e segurança.
Pedra Morais ficou surpreendido com a mudança porque os moradores não foram avisados de que a desocupação do imóvel, de 17 andares, tinha de ser feita ontem.
O prédio ainda em “esqueleto” foi ocupado em 1993 e entre os moradores estavam famílias que fugiram da guerra e não encontraram habitação na capital do país.
Um dos primeiros ocupantes do edifício, em 1993, depois de ter saído de Malange, Pedro Morais disse á
nossa reportagem. Que ficou surpreendido quando “às cinco da manhã me apercebi do aparato policial em baixo do prédio. Uma hora depois fomos confrontados com equipas do Governo Provincial de Luanda e da Protecção Civil e Bombeiros, que nos informaram de que íamos ser transferidos para o Zango”.
Um elemento dos bombeiros informou que a chegada das autoridades às cinco da manhã serviu para impedir que pessoas estranhas, que nunca habitaram o imóvel, pudessem infiltrar-se entre as 122 famílias registadas para o realojamento.
A desocupação dos moradores do prédio começou por volta das sete horas sem qualquer problema, embora não tivessem sido avisados do dia nem da hora, como nos confirmou o coordenador da Comissão de Moradores, Eliseu Laurindo.
“Estamos a abandonar o edifício com muita calma e tranquilidade, até porque vamos ser realojados emlocais com melhores condições de habitabilidade”, sublinhou a moradora Luzia Manuel, uma septuagenária que vivia um misto de satisfação e tristeza, por se deslocar para uma área segura e por abandonar o casco urbano de Luanda onde viveu nos últimos anos.
Sentada debaixo do prédio, junto dos seus bens, aguardando os filhos que subiam e desciam incansavelmente, para transportarem mais haveres, Luzia Manuel estava inquieta por não saber onde iam ser realojados.
Viver com o perigo
“São 11 horas, mas ainda não sabemos para onde vamos. Não sabemos de nada. Devíamos ser alertados sobre a data e hora do despejo e o local em que vamos viver. Agora é só esperar pela boa fé de Deus e das autoridades para que possamos estar bem alojados”, disse Luzia Manuel, que reconheceu que “vivíamos em condições precárias e onde o perigo estava sempre à espreita”. Recordou mortes por queda de pessoas, sobretudo crianças, ao longo dos anos que o prédio foi habitado.
Uma vizinha que acompanhava a conversa entre o repórter e a anciã interveio para dizer que a grande preocupação dos moradores é a vida académica das crianças e a distância entre o novo bairro e o centro urbano de Luanda.
Desocupação sem percalços
“A distância vai complicar a vida de muitos moradores. Ainda estou a tentar acordar porque os primeiros meses vão ser de muita luta, já que não tenho uma viatura própria”, disse a estudante Aida de Almeida, que espera superar o problema com o recurso aos meios de transportes públicos.
O coordenador do prédio, Eliseu Laurindo, afirmou que a falta de aviso prévio não criou dificuldades ao processo de desalojamento das 122 famílias.
As pessoas, disse, sempre tiveram conhecimento de que um dia iam abandonar o local, porque os técnicos do governo provincial de Luanda actualizavam o registo, manualmente.
«A lista de moradores, elaborada em 2006, foi actualizada pela última vez em Dezembro passado e não há margem para erros e muito menos a possibilidade de aparecerem moradores fantasmas», garantiu Eliseu Laurindo.
Embora a transferência para o bairro zango tivesse sido feita sem aviso prévio o ambiente vivido ontem no interior e exterior do prédio foi tranquilo, muito por conta das forças policiais e dos serviços de protecção civil e bombeiros que bloquearam a rua de acesso ao prédio, para permitir que o processo de realojamento se realizasse sem incómodos nem infiltrações de oportunistas.
Surgimento do prédio
O prédio foi construído no início da década de 70 numa área em que havia uma lagoa, aterrada para dar lugar ao edifício. Havia muitos acidentes de trabalho, razão pela qual a obra era constantemente embargada. Relatos da época dizem que a lagoa voltou a aparecer, o que comprometeu o avanço das obras.
Há já alguns anos que as autoridades diziam que o edifício ia ser demolido por razões de segurança, pelo facto das suas estruturas estarem comprometidas por terem sido ergui das em cima de uma lagoa e não tiveram o tratamento de engenharia adequado, além de que a água se infiltrou nas fundações e havia o risco de uma tragédia.