CONTEXTO HISTÓRICO
Luanda é a cidade de origem europeia mais antiga do País, situada no litoral atlântico, numa região semi-árida (400 mm de precipitação e chuvas concentradas durante 3 meses), entre a foz dos rios Bengo e Kwanza, com uma área de 2.418 Km2 e uma população estimada para 2010 em cerca de 6 milhões de habitantes.
Foi fundada pelos portugueses em 1576 (onze anos depois do Rio de Janeiro) e 78 anos após a chegada do primeiro navegador português, Diogo Cão, à foz do rio Zaire. Dotaram-na de imediato dum poder administrativo e militar que serviu de base à sua organização política, económica e social.
Durante cerca de três séculos a actividade da cidade esteve essencialmente ligada à penetração portuguesa no interland angolano, ao comércio e ao tráfico de escravos. Com a abolição da escravatura, em 1836, a sua actividade económica ressentiu-se enormemente, apesar dos esforços da administração colonial para relançar a economia, designadamente através da agricultura e do desenvolvimento da pequena indústria.
Nos finais do séc. XIX Luanda conheceu um ligeiro “salto” económico fruto da exportação da borracha, de outros produtos agrícolas e da produção de rum.
Durante as primeiras quatro décadas do séc. XX a cidade manteve-se num estado de miséria, abandono e hibernação. Sendo no entanto a sede da Administração e a Capital da Colónia teve contudo alguns privilégios de conforto, devido sobretudo à presença dos funcionários, militares e comerciantes portugueses.
Até 1920 Luanda manteve-se uma cidade africana, habitada por muito poucos europeus. Os africanos viviam por toda a cidade, estando contudo mais concentrados junto ao porto (Bungo e Kipaca), na ilha e no planalto que domina a baía (Maianga e alto da Ingombota). Os europeus agrupavam-se na parte baixa da cidade (Coqueiros e Mutamba) onde florescia o comércio, na cidade alta perto do Palácio do Governo, do Arcebispado, da Fortaleza, dos serviços administrativos e das Igrejas.
A partir de 1920 Luanda muda a sua fisionomia como consequência da expulsão dos africanos, por Decreto do Alto-comissário Norton de Matos, do centro da cidade (Bungo, Kipaca, Maianga e Ingombota) para os terrenos arenosos da periferia da zona alta da cidade os musseques.
É o início da polarização racial da cidade que se acentuará com a explosão demográfica da pós-guerra. Com efeito, com a chegada crescente dos colonos portugueses e dos imigrantes rurais angolanos a seguir à 2a Guerra Mundial, a dicotomia da cidade expande-se e os contrastes entre a cidade europeia (cidade do asfalto) e os musseques (bairros dos negros) tornam-se cada mais marcante.
Os europeus que não representavam senão 11,8% da população em 1930, aumentaram a sua importância relativa para 14,7% em 1950,24,7% em 1960 e 20,7% em 1970.
Eles ocupam os lugares-comuns da administração pública e privada, tornam-se os proprietários dos terrenos, detêm as redes de transporte e do comércio e passam a constituir a mão-de-obra qualificada de toda a actividade económica.
Como consequência desta situação socioeconómica surgem também alterações culturais profundas, impondo-se a língua portuguesa como língua oficial e de trabalho e o abandono progressivo das línguas e tradições culturais africanas como condição “sine qua non” da promoção social dos africanos.
Estes continuam a viver nos musseques, implantados em terrenos argilosos de condições de drenagem péssimas, ou muitas vezes em taludes instáveis ou de declive muito acentuado, em miseráveis alojamentos provisórios, sem água potável corrente, sem abastecimento de energia e iluminação pública, sem saneamento básico e traçado de armamentos e com muito poucas escolas e postos médicos.
A chegada crescente dos migrantes rurais angolanos em idade activa, atraídos pela expansão económica da capital, faz transbordar o desemprego.
O mercado de trabalho existente é incapaz de absorver toda esta mão-de-obra barata mas não qualificada, a miséria acentua-se e novos musseques vão nascendo, cada vez mais distantes do centro da cidade, no espaço e no tempo (Rangel. Sambizanga, Cazenga, Golfe).
O crescimento rápido de Luanda transforma a sua fisionomia e provoca o aparecimento dos problemas e inconvenientes próprios das grandes cidades africanas: a desarborização, a densidade demográfica elevada, insuficiência de equipamentos colectivos sociais e económicas, o aumento do custo de vida, o crescimento da mão-de-obra não qualificada. Caracterizada por um fraco poder de compra, o crescimento não acompanhado e insalubre do espaço urbano.
Este crescimento urbano conduziu essencialmente ao aparecimento dum sector marginal fisicamente definido por um assentamento humano defeituoso, escapando a todo e qualquer controlo público e ao planeamento.
Do ponto de vista cultural este sector caracterizou-se pela existência de grupos sociais heterogéneos (em diferentes níveis de aculturação urbana), cuja interacção criou aspectos muito particulares de comportamentos e de atitudes: sincretismo religioso, diferentes formas de poligamia, passagem da fanu1ia alargada à farm1ia nuclear, novas expressões de normas e valores, etc.
A conquista espacial galopante da urbanização atingiu também os musseques mais antigos (Bairro Operário, Bairro Popular, Rangel, Prenda, Mota, Braga, Marçal) onde os novos colonos portugueses das classes mais desfavorecidas se vieram instalar. A polarização racial da cidade vai-se transformando em “polarização de classe” e os musseques mais antigos vão-se transformando paulatinamente em “subúrbios integrados”, como veremos adiante sob a designação de Zona de Transição.
A REPARTIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO SEGUNDO OS NÍVEIS DE URBANIZAÇÃO
As condições sob as quais Luanda cresceu, determinaram no terreno, uma diferença marcante entre dois principais conjuntos, comuns a todas as cidades africanas de origem europeia e nascidas do colonialismo: a “cidade urbana” e a cidade suburbana”. Com a queda dos impérios coloniais e o surgimento das independências nacionais nos anos 60, estes 2 conjuntos tomaram-se menos herméticos e deram origem a espaços de urbanidade mais heterogéneos, nascendo então novos conceitos como “cidade moderna”, zona urbanizada, zona semi-urbanizada, bairros integrados, bairros subintegrados, subúrbios, zonas periurbanas ou outras designações congéneres.
Quaisquer que sejam as designações, elas traduzem sempre a existência duma fractura fundamental no interior do espaço urbano, herança do passado colonial: por um lado o Centro, bloqueado no seu crescimento e confinado a um espaço reduzido, sejam das principais funções da capital (administração pública, comércio, bancos, seguradoras, imobiliárias, clínicas, hotéis e restaurantes, cinemas, etc.), rodeado por uma zona residencial moderna, dotada de equipamentos sociais e colectivos completos e eficientes; por outro lado, as Zonas de Povoamento Periféricas (suburbanas e periurbanas), em plena extensão e crescimento horizontal, caracterizadas por um assentamento humano não planificado, onde domina o alojamento tradicional, em particular de auto-construção precária, desigualmente dotadas de equipamentos sociais colectivos, desprovidas de condições de higiene e de salubridade, e tendo antes de tudo uma função residencial.
No caso concreto de Luanda, o “boom” económico dos anos 60 e primeira metade dos anos 70, modificou acentuadamente esta dicotomia do espaço urbano: as grandes unidades industriais implantadas na periferia (sobretudo no Cazenga e Viana) impulsionaram a conquista espacial da urbanização que incidiu sobretudo nos bairros tradicionais da próxima periferia, que passaram a constituir uma espécie de Zona de Transição entre o Centro moderno (Cidade Antiga) e a Periferia. Para apoiar o abastecimento da cidade em pródutos frescos de agro-pecuária e pescas nasceu uma chamada cintura verde estruturada, em volta da cidade.
Após a independência do País, devido aos grandes problemas derivados das invasões estrangeiras e do inicio da guerra civil, a urbanização de Luanda entra em estado de hibernação e de degradação, sobretudo dos bens imóveis e equipamentos da cidade moderna e da Zona de Transição e as migrações do campo para a cidade mantêm-se grandes, mas aos ritmos habituais. A partir de 1992, após a recusa pela UNITA dos resultados eleitorais de Setembro de 1992 e o consequente fracasso dos Acordos de paz de Bicesse, assiste-se ao reacender da guerra civil com muito maior intensidade e violência e aos consequentes fluxos migratórios massivos de populações das zonas rurais e urbanas vítimas da guerra para as cidades do litoral do País, em especial Luanda, fenómeno que se estendeu até Abril de 2002, altura em que se assinaram os Acordos de Paz definitivos.
É assim que a partir de 1992 Luanda entra numa fase galopante de suburbanização , com a população migrante e os excedentes do crescimento natural a instalarem-se massivamente na antiga cintura verde (Cacuaco, Viana e parte do Kilamba Kiaxi), já que na zona de transição e nos bairros periféricos tradicionais a densidade demográfica é asfixiante (por ex. Maianga: 35.500 hab/km2m ; Rangel:78.000 hab/km2; Sambizanga: 46.500 hab/km2), tendo a ocupação do espaço atingido os limites do humanamente aceitável.
Nasce dessa forma uma nova Periferia de Luanda, cada vez mais distante do Centro, onde a densidade demo gráfica é muito menor do que na próxima periférica (Cacuaco: 1.450 habjkm2; Viana: 240 habjkm2; Kilamba Kiaxi 4.100 habjkm2) e com modelo culturais de vida heterogéneo e em diferentes níveis de aculturação urbana, que trazem uma nova fisionomia a Luanda e, consequentemente, novos padrões e comportamentos demográficos (fecundidade, mortalidade infantil, nupcialidade e migrações), religiosos e socioeconómicos (aumento da economia informal ou subterrânea, desemprego acelerado, maior nível de criminalidade, marginalização, fuga aos controlos públicos, etc.).
Tendo em conta o acima exposto, recomenda-se que para efeitos de estudos e análises de natureza demográfica e socioeconómica se estratifique a população residente de Luanda em quatro Zonas de Assentamentos Humanos (Zonas de Habitat), que melhor podem reflectir os modelos culturais dos seus habitantes, no que respeita a conhecimentos, comportamentos, normas e atitudes, isto independentemente dos estudos, análises e projecções de carácter político e administrativo poderem sempre basear-se na estratificação dos dados populacionais em conformidade com a Divisão Político-administrativa vigente. Seriam as seguintes as quatro Zonas de Habitat de Luanda atrás referenciadas:
Cidade Antiga
Zona de Transição
Próxima Periferia
Periferia
Para efeitos de variável de controlo desta tipologia, proposta com base no tipo e características da habitação (cidade moderna, musseques) e nas características da habitação (cidade moderna, musseques), salubridade, equipamentos sociais colectivos, saneamento básico, etc. escolhemos os níveis de mortalidade infanto-juvenil (crianças até aos 2 anos), já que a mortalidade duma população (no nosso caso de uma criança) é função da frequência da ocorrência da doença – a Incidência – e da probabilidade de morrer uma vez ocorrida a doença – a Letal idade. Tanto uma como outra destas variáveis são resultado da perda de equilíbrio entre o homem e os factores capazes de produzirem a doença, que podem ser endógenos (fisiológicos) ou exógenos (resultantes do meio físico, biológico e social onde vive o homem). Considerando que os factores endógenos são varáveis independentes da área de residência, vejamos como varia a mortalidade das crianças, do nascimento até aos 2 anos, nessas Zonas de estratificação factores exógenos
(Colaço Luís Filipe, 1986):
Podemos assim deduzir, considerando a mortalidade infanro-juvem1 uma boa variável de ” controlo do desenvolvimento económico, do meio ambiente e da cultura, que a estratificação aqui proposta traduz uma boa realidade sócio-demográfica e económica da Província de Luanda, segundo os níveis de urbanização do seu espaço.
Com base em pessoais investigações académicas, em Inquéritos sócio-demográfico recentes, no Registo Eleitoral de 2007, nas Sondagens Eleitorais de 2008 e em visitas de controlo de campo, pode-se considerar que a distribuição relativa da população de Luanda em 2003 (comparativamente a 1985), segundo as Zonas acima consideradas, seria a seguinte:
O facto de cerca de 76% da população de Luanda residirem nas suas Zonas periféricas, com a consequente asfixia do Centro, justifica por si só, a preocupação política dos decisores para a urgente requalificação urbana dessas áreas, baseada em estudos técnico-científicos profundos que visem o desenvolvimento harmonioso das respectivas centralidades e a melhora da qualidade devida dos cidadãos.