Mesmo que as autoridades não o admitissem, o aumento da criminalidade em Luanda, no último ano, foi tão evidente que não há como o desmentir. É consensual admitir-se contribuiu para tal fenómeno, o desmantelamento de alguns do mercados, que garantiam emprego a milhares de pessoas, sobretudo jovens, sem que se tivessem criado as necessárias nativas. Porque foi malta às carradas para o desemprego, sem quase aviso prévio e sem alguma indemnização ou subsídio.
Por outro lado continua a não ser criado incentivo algum, para que se inicie o regresso dos milhares de deslocados que norte por aqui deambulam sem, às suas áreas de origem. O levantamento dos mais que muitos africanos ilegais, sobretudo zairenses também tarda.
A polícia, entretanto, insiste em que a situação está «mais ou menos sob controlo, enquanto a delinquência faz questão de provar o contrario, todos os dias, muitas vezes ao dia.
Amiúde, nas televisões, rádios jornais especialistas defendem a urgência de uma nova visão penal, porque a legislação actual está caduca e não inibe de forma alguma o crime. Porque, quando existe, a penalização é tão suave, que na maior parte das vezes até compensa ser bandido.
É tão chocante, como a Lei defende e protege (?!), por exemplo, criminosos de 16 anos de idade que, recentemente o meu vizinho, uma alta patente do exército, quase se travou de razoes com a procuradora junto da DNIC , colocada na 36ª Esquadra, pessoa, aliás, mal referenciada por muita gente.
Tudo começou quando o filho do meu vizinho, mais os filhos de outro vizinho, surpreenderam em flagrante, dois ladrões de espelhos retrovisores de viaturas, em pleno dia, no momento em que desmontavam os acessórios do «carro velho», um Toyota rav. 4. Da perseguição que logo se iniciou, resultou a captura de um dos larápios que não se livrou, ali mesmo, de umas boas bofetadas e uns quantos pontapés, como manda, e bem a nossa branda tradição.
Digo branda e digo bem, porque nos países periféricos (a RDC é um bom exemplo), logo que se captura um ladrão, alguém se predispõe a sacrificar o maior pneu que tiver em casa, para fazer churrasco de carne humana.
Acontece que, no momento em que, ao ladrão, estavam a ser aplicados os primeiros socorros… quero dizer sopapos, eis que passa por ali, em «em contramão», a tal procuradora junto da DNIC, que imediatamente envia um SOS para a esquadra policial, sediada mesmo ali a cem metros, enquanto tratava de passar umas reprimendas aos jovens, porque era crime baterem no criminoso. Em menos de dois minutos, um veículo de patrulha equipado com sete agentes apresentou-se no local.
O delinquente e as vítimas foram convidados a subir na carroçaria e depois, já na esquadra, apresentados ao «oficial Dia», que os cumprimentou com muita. Cordialidade, a uns e ao outro, ou vice-versa, convidando-os a sentarem-se e lamentando logo não ter, no momento, nem uma cerveja para os oferecer. A antipática procuradora, que vinha no encalço do conjunto, e que, por ser mulher, demorou mais dois minutos a chegar ao local, deu então ordens para que se abrisse um processo contra os jovens, porque foram apanhados em flagrante, a agredir um pobre indefeso, provavelmente para lhe roubarem a mochila que trazia carregada com espelhos retrovisores.
– Mas chefe! – tentou esclarecer-se o «oficial dia>. – Aqui os jovens estão a dizer que este moço, que a chefe está a considerar como «pobre indefeso», foi apanhado em flagrante, a roubar espelhos retrovisores!
– Proceda de acordo com a Lei sentenciou a chefe. – Este jovem estava a ser agredido. Mesmo que tenha roubado, ele é menor de 16 anos, logo, é inimputável!
– Mas chefe! – tentou, uma vez mais o «oficial Dia». – Estes jovens também são menores de dezoito! – De qualquer forma, têm de responder como agressores!
Eh eh ! … assim sou a exclamar, comigo mesmo, enquanto escrevo este poema.
Sentado no banco corrido, de madeira, o ladrão, ao ouvir tão educativo diálogo, ensaiou um sorriso, de satisfação. Vendo que o caso começava a ficar «mal parado», o filho do meu vizinho brigadeiro pegou no telemóvel e ligou para o pai..
– Velho, apanhamos um ladrão de retrovisores, mas aqui na esquadra querem nos prender, porque lhe batemos!
Acostumado a situações difíceis e vitorioso em muitas frentes de batalha, onde participou e teve de comer, muitas vezes, o pão que a procuradora… quero dizer, o Diabo amassou, o meu vizinho mandou desfazer a formatura, lá na unidade militar onde é chefe, pegou na sua viatura, furou os engarrafamentos e desobedeceu a sinais vermelhos, sempre a cento e duzentos à hora e, como ele próprio confessou mais tarde, está ainda hoje por saber como foi que só demorou quinze minutos num percurso que geralmente faz em duas horas.
Quando chegou ao local dos acontecimentos, o caso estava mesmo parado porque, entretanto, a procuradora fora chamada ao seu gabinete, para atender a um pedido, creio que de ‘habeas corpus’ ou coisa assim parecida, dessas que estão agora na moda. O meu vizinho e xará, Fernando portanto, teve de esperar mais quinze minutos, tempo suficiente para ouvir, de sua justiça, os miúdos, o «oficial Dia» e o larápio.
Chegou até a haver uma conversação amena entre o meu vizinho e alguns oficiais da polícia que se encontravam na sala, onde todos deixaram clara a ideia de que, as duas partes estavam erradas … a procuradora e a Lei.
Quando a «chefe» apareceu, com o seu andar cambaleante e desengonçado, visto que não tomou a ‘estrelinha cuía como o samba apito’, o meu vizinho, que até é um pouco machista, como eu (herdei do meu pai um azulejo com os dizeres… «em casa manda ela, e nela mando eu») fez-lhe um discurso, de boas vindas.
– minha senhora – começou. Quando vinha pelo caminho, imaginei que haveria de pronunciar, por pelo menos vinte vezes a palavra « porra ! », para não me exaltar, porque é o ralhete mais suave que nós utilizamos no dia-a-dia porque é o ralhete mais suave que nós usamos no dia a dia, com as tropas. Agora, visto estar diante de uma senhora, não sei como é que a posso insultar. A senhora tem alguma ideia?
A mulher não pareceu descompor-se com aquelas palavras tão cruas. Olhou para o meu vizinho, tirando-lhe as medidas. Um metro e setenta e sete de altura. Depois olhou para as patentes. O oficial estava bem aprumado, como sempre.
– O senhor é o pai destes rapazes? – perguntou, olhando para os infelizes, que repartiam o mesmo banco com o larápio de espelhos, que apesar de ter levado umas e boas, não exibia nenhum hematoma. Com ar de fatigado, o brigadeiro disse que sim.
– Pois olhe … é assim. Nós vamos ter que abrir um processo contra eles, por crime de ofensas corporais.
– Minha senhora, com licença, o que me trás aqui é muito simples. O oficial superior segurou pela mão, o rapaz que lhe estava mais à mão, que por acaso era o seu filho.
– Dudu, embora daqui! … vocês também! .
Os rapazes levantaram-se. Um deles trazia nas mãos os retrovisores recuperados.
Ao franquearem a porta, quase chocavam com uma dona, mãe dos amigos do filho do meu vizinho. Vinha ofegante, trazendo os bilhetes de identidade dos rapazes. Atrás dela, mais duas vizinhas, e a empregada de uma delas. O cortejo recuou, para não ser atropelado, dada a velocidade imprimida pelo brigadeiro. Lá atrás, meio descomposta, a procuradora encolheu os ombros, num gesto de impotência, não sem antes ouvir ainda – agora sim -, algumas imprecações do meu vizinho, que culpava o governo e o sistema, por colocar saias inadequadas em cargos de tamanha responsabilidade que deviam ser ocupados por gajos com … qualquer coisa parecida com bolhões. Mais tarde, alguém disse ter visto o «oficial dia» disfarçar a muito custo um sorriso fininho. Ele, e os outros oficiais que testemunharam a malamba.
Vou descair … oh vocês!