Segundo números da polícia económica, só em apreensões, a pirataria de audiovisuais representou algo mais do que meio milhão do dólares no ano de 2010, o que pode dar uma ideia, ainda que parda, das dimensões dessa nova indústria que se implantou em Angola e até mesmo das suas ambições.
Se, no entanto, acompanhado da estatística incluída nestas páginas, segundo a qual a pirataria de audiovisuais constituiu naquele mesmo ano 15,40 por cento dos total dos crimes processados pela polícia económica, esse número passa a significar factos que se estendem para lá da pirataria pura e simples.
E o primeiro desses factos pode ser a brandura ou até a indulgência das autoridades policiais e alfandegárias em relação à pirataria, a qual ocorre em proporções elevadas demais para constituir apenas 15 por cento do total de crimes de natureza económica detectados ao longo do todo um ano.
Diga-se que de todo o comércio ambulante, o da venda de audiovisuais é aquele que ocorre na mesma medida em que existem latas de Cuca vazias espalhadas pelo chão: dá-se um pontapé numa delas e aparecem dez vendedores de discos piratas, se a parábola der para explicar as dimensões desse crime que se processa à luz do dia, a céu aberto e sob o nariz dos agentes da autoridades.
Contraditoriamente, entretanto, essa estatística pode significar a omnipresença desse fenómeno criminal e as suas ambições de crescimento num país que, ainda há uns 15 anos atrás, poderia ser considerado um território livre da influência da pirataria de audiovisuais, pelo menos nas dimensões industriais em que ocorre hoje.
O que não equivale a dizer que essa indústria criminosa cresça em apenas um por cento ao ano: essa, a taxa de crescimento da pirataria audiovisual, é uma estatística de que não se dispõe, no que deve ser analisado à luz da indulgência ou da doce preguiça das autoridades policiais e aduaneiras no enfrentamento com os piratas.
E tudo o que existe a esse nível são más notícias, todas elas prestigiadoras de uma virtual tendência para o crescimento da indústria da pirataria audiovisual, uma questão em que tem relevância o facto de o equipamento electrónico agora disponível para as operações dos piratas estar a tornar-se cada vez mais acessível.
Sabe-se que os piratas de filmes estão a utilizar um método que lhes permite fazer cópias baratas de filmes Blu-ray que a maioria dos consumidores tem dificuldade em detectar que se trata de uma falsificação.
Utilizando software facilmente disponível, os piratas chineses convertem os filmes Blu-ray para o formato de vídeo Ave HD usando uma resolução de alta definição de 720p em vez de 1080p. Através desta técnica, os piratas conseguem comprimir suficientemente o filme para o gravarem num barato disco DVD em vez de num significativamente mais caro disco Blu-ray.
Apesar de a resolução ser inferior à de um Blu-ray original, a diferença não é detectável por muitos consumidores, já que os filmes gravados desta forma, quando reproduzidos num televisor de alta definição, oferecem uma qualidade de imagem superior à de um DVD.
O preço do equipamento electrónico que permite essas operações é de apenas 5.300 dólares, uma pechincha para criminosos que, não tendo escrúpulos para com os consumidores e os direitos autorais de outrem, também não os terão em nenhum 0’ttro domínio da vida.
Mais do que isso, representa enorme preocupação o que é hoje a interacção económica e comercial de Angola com o estrangeiro. Segundo um relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, sigla inglesa), o Brasil, China e Rússia figuram entre os dez países do mundo onde campanhas anti pirataria merecem tratamento prioritário.
Qualquer um desses países tem relações económicas e comerciais privilegiadas com Angola, até com base em acordos institucionais que reputam tal interacção como estratégica, com o que homens de negócios desses países passaram a cruzar as fronteiras angolanas de forma populosa e frequente.
Assim, acossados nos seus países, negociantes inescrupulosos podem decidir deslocalizar a sua produção de bens contrafeitos para a implantar em Angola, onde não se pode considerar que o combate à pirataria seja uma prioridade das políticas institucionais.
O leitor angolano não poderia ter notícias piores que essas. Tanto a indústria fonográfica quanto a de cinema são apenas os dois alvos mais frequentes da pirataria, mas o crime da contrafacção estende-se por muitos mais domínio da vida, da ciência e da arte.
A lista dos produtos mais pirateados inclui além de CD’s e DVD’s, medicamentos, brinquedos, livros, roupas, óculos, produtos desportivos, produtos biológicos, cigarros, perfumes e relógios.
Num dos seus traços mais comuns, a pirataria usa componentes legalmente proibidos na produção de bens, muitos deles cancerígenos, algo que, de outra forma, a indústria formalmente instituída não se atreve a fazer.
Num cenário em que industriais de contrafacção fustigados nos seus países deslocalizem a sua produção para Angola, poderíamos ter à porta das nossas casas, no interior das nossas despensas e dos nossos frigoríficos, a assinatura das nossas próprias sentenças de morte, tendo nós mesmos que pagar por isso.
Corremos o risco de ir ao médico e depois a uma farmácia em busca de saúde e alívio e lá comprar” um mal maior, sob o rótulo da displicência das políticas institucionais relativas à contrafacção e à pirataria.
Nunca, contudo, nós, os angolanos, teríamos o benefício de desfrutar dos prazeres da vida, da tecnologia e da medicina tal como foram concebidos para ser oferecidos, com as consequências que isso tem para a nossa qualidade de vida e até para a nossa cidadania.
Sob esse ponto de vista, nós, os angolanos, devemos considerar que estamos sob um forte ataque de… Piratas!.